Ensaio sobre a má qualidade da assistência técnica da Apple em Portugal

Andava para escrever este post há coisa de três meses, tendo preparado o primeiro draft no autocarro do aeroporto de Luton para o centro de Londres. Por motivos diversos fui adiando a coisa, mas hoje apetece-me discorrer à laia de ensaio sobre este tema: que fundamentos poderá ter a má qualidade da assistência técnica da Apple em Portugal?

Que a dita é má – comparando com os padrões de outros mercados onde existe uma representação oficial da Apple – não me parece que haja dúvida. Os motivos é que dão pano para mangas.

Penso que podemos agrupar os motivos em duas ordens de razão diversas: (i) a natureza jurídica da Interlog e a sua relação com a Apple, Inc.; (ii) a incompetência das pessoas à frente da mesma.

1. Da natureza jurídica da Interlog e a sua relação com a Apple, Inc.

A Interlog é actualmente o importador oficial dos produtos Apple para Portugal, tendo uma relação de exclusividade com a marca, semelhante à que é possível encontrar nos importadores das marcas de automóveis. Não há concorrência, distribuindo a Interlog para a generalidade das lojas que vendem em Portugal. No entanto, a Interlog não é *a* Apple, Inc. É uma empresa terceira que, por acaso, tem esse direito de distribuição para um determinado mercado. E é aqui que começa – a meu ver – o busílis da questão. Não só para a Apple, mas pela minha experiência na Unreal para todas as marcas de informática que têm importadores e não representação oficial.

a) a marca Apple não pertence à Interlog, mas sim à Apple Inc;

Em primeiro lugar, a fortuna a longo prazo da marca Apple é irrelevante para a Interlog. São um importador exclusivo, cujo contrato expirará mais cedo ou mais tarde. Pessoalmente, acredito que já não falte muito, especialmente depois de ter visto constituída a Apple Portugal em Maio e ouvir alguns zunzuns por aí. Portanto, para quê servir bem os clientes, sustentando o bom nome da marca, se a longo prazo isso é para nós (Interlog) irrelevante? Mais vale espremer bem a laranja enquanto pode dar sumo. E todos sabemos que quando um contrato destes está a expirar o distribuidor fará o possível para defender os seus interesses.

Ou seja, para a Interlog tanto se lhe dará como se lhe deu que a sua atitude de importador danifique ou não a marca Apple pelo simples motivo que esta não lhe pertence. Só dói à Apple e aos consumidores lesados.

Estou para ver se, apesar de tudo, no final a Apple não terá de pagar uma indemnização de clientela à própria Interlog. Seria de rir, mas já vi porcos mais gordos a voar.

b) não serem vendedores (excepto via Apple Store Online);

Em segundo lugar, a Interlog não é directamente vendedora. Certo, gere a Apple Store Online, mas nada mais. Não dá a cara. Não tem balcão. Não atura os clientes insatisfeitos aos berros. Isso fica para quem está a jusante, o retalhista que dá o corpinho ao manifesto na realidade pela marca.

Adoraria ver a reacção dos responsáveis da Interlog se tivessem a bater-lhes à porta em Alfragide clientes urrando por um serviço técnico decente como acontece nas lojas.

c) falta de concorrência para o exercício da garantia;

Em terceiro lugar, não é preciso ser-se doutorado em economia para saber que um mercado onde não há concorrência, enfim, dificilmente atingirá bons patamares de eficiência (para não ser mais cáustico). Ora, em Portugal para exercer o meu direito de garantia tenho de ir parar obrigatoriamente à Interlog para que esta efectue a reparação. Sendo certo que as reparações fáceis podem ser efectuadas pelos retalhistas, as reparações à séria terão de o ser na Interlog.

A título de exemplo, em Espanha, há diversos centros técnicos com competência para efectuar reparações complexas. Consequentemente, é muito mais fácil para o cliente encontrar um onde seja rapidamente (e bem!) atendido. Em Portugal, a Interlog pode dar-se ao luxo de prestar um mau serviço de pós-venda, pois os clientes não têm alternativa.

Não tem, pois, o incentivo da concorrência para ser eficiente, factor que adiante explorarei com maior cuidado.

No entanto, informo que quem tiver um problema no primeiro ano de garantia, poderá exercer o mesmo em qualquer centro técnico espanhol. Não é a solução ideal, mas, acreditem que é preferível a ficar dependente da Interlog.

d) eventual filtragem de queixas sobre os serviços prestados;

Em quarto lugar, imaginemos que o cliente insatisfeito quer reclamar com a má qualidade do serviço prestado. Que fará? Enviará uma carta/email para a Interlog. Naturalmente que a missiva ficará por aí (e já la vamos) e nunca a Apple saberá o que se passa, pois a informação é controlada pelo importador. Como é natural, o importador nunca passará esses dados sempre que o puder evitar.

Também é verdade que o português reclama pouco e mal. Bem que poderíamos aprender com os espanhóis nesse aspecto.

Sugiro pois que quando isso aconteça, as pessoas reclamem para a Interlog *e* para a Apple, Inc., para que esta saiba o que se passa. Para quem quiser, posso fornecer a morada (física) do departamento legal da Apple na Europa, situado algures em Paris. Esperemos que saibam inglês.

e) falta de investimento na qualificação do serviço pós-venda;

Last but not least, o quinto item deste ponto. Foi-me contado há umas semanas o porquê da má qualidade e lentidão do serviço técnico da Interlog. Não sei se é verdade, mas é certamente verosímil e é um segredo que tresanda.

Basicamente, a Interlog tem um centro técnico de nível 2 quando em Espanha qualquer retalhista com centro técnico incorporado (como aqui em Barcelona) facilmente tem um atendimento de nível 3 ou 4. Ou seja, o retalhista espanhol investiu em pessoal e maquinaria para efectuar reparações mecânicas e eléctricas de nível avançado aos seus clientes. Sublinho, uma mera lojeca aberta ao público.

Já o nosso importador oficial e exclusivo achou por bem ficar-se pelo nível 2 e mandar para fora as reparações mais complicadas. Diz que é uma espécie de outsorcing. Corte de custos à melhor maneira portuguesa. Cortar onde não se vê e onde não há concorrência. Assim a modos como o carpinteiro que utiliza desperdícios de madeira na parte interior do móvel, onde ninguém vai verificar.

Não me digam que o mercado de Barcelona, ainda para mais dividido por algumas lojas, tem mais volume que *todo* o mercado português.

A meu ver, esta limitação das reparações efectuadas em solo nacional contribui e de que maneira para os atrasos de meses na reparação de computadores. Sim, meses de espera para ferramentas de trabalho. Em Espanha a espera é de apenas alguns dias.

Agora comparem este quinto item com a), b) e c) e digam-me se a fotografia de conjunto não é lógica.

A Interlog não quis, não pôde ou não soube crescer e investir na prestação de bons serviços de garantia aos seus clientes. Mas aqui a culpa também é da Apple que, provavelmente, aquando da negociação do contrato de distribuição não exigiu um nível mais elevado. O que não invalida a esperteza tão saloia assente em vistas curtas da Interlog.

Este quinto item leva-nos directamente para a segunda ordem de razões.

2. Da incompetência dos responsáveis da Interlog

Sendo certo que parte do problema pode ser reconduzido às questões atrás levantadas, não nos podemos esquecer que a Interlog terá gerentes ou administradores os quais, em última análise, são quem toma as decisões que beneficiam ou prejudicam o cliente final. Desconheço totalmente o organigrama (organograma?) da Interlog e a distribuição de competências por quadros médios, mas a falta de investimento na qualidade da assistência técnica só pode ser assacada a quem manda, não a quem é mandado.

Além disso, para quem está de fora, há na Interlog uma cultura de total laissez faire e eventualmente desprezo pelo cliente final. 

O ponto e) supra também poderia constar aqui.

a) da inexistência de relatórios de reparação

Gostaria de saber quantos dos meus leitores obtiveram da Interlog um relatório – ainda que sumário – com os seguintes pontos:

i) problemas detectados;

ii) reparações efectuadas;

iii) tempo em que o bem esteve para reparação;

Os dois primeiros pontos são óbvios e corriqueiros nas reparações efectuadas noutras marcas, em Portugal ou Espanha. O que é lógico, pois só assim poderá um cliente legitimamente reclamar do serviço prestado. Já a Interlog opta por não o fazer. Isto não é uma questão de investimento no serviço, mas sim de competência de quem manda. De instalação de procedimentos para que se possa responsabilizar quem erra.

Numa sina tristemente portuguesa, a Interlog acha desnecessário facultar essa informação aos clientes. É natural, poderia ser utilizada contra ela e forçá-la a mudar os seus procedimentos.

O terceiro, aparentemente inócuo, é absolutamente fundamental para o prolongamento da garantia. É que de acordo com o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril (não me lembro do artigo em concreto), a garantia extende-se pelo período em que o bem estiver para reparação. Como há reparações a demorar meses, o detalhe não é de somenos importância.

b) da não resposta a reclamações

A corriqueira falta de resposta da Interlog a reclamações é o pináculo do meu comentário sobre a cultura de laissez faire da empresa. Enviei uma reclamação há uns meses exigindo resposta por escrito para uma determinada morada. Nunca obtive resposta.

Não obstante os pontos que levantei sobre a minha reparação foram respondidos pela Interlog à FNAC quando esta a interpelou directamente a um nível bastante elevado (não eram técnicos…).

Mas resposta ao cliente final, nem vê-la. Para quê? Afinal de contas, poderia servir contra a Interlog…Se mandar uma missiva com papel timbrado do escritório não merece resposta, se calhar deveria eu ter intentado uma acção em tribunal com o mesmo texto. Aí talvez tivesse obtido resposta.

Mais uma vez, a responsabilidade é de quem manda, não de quem está abaixo.

3. Conclusão

Acredito que as pessoas da Interlog sejam, no fundo, todas óptimas pessoas. Acredito que façam o possível, mas, infelizmente, isso não é suficiente. O serviço prestado é mau e a culpa morre sempre solteira, ao melhor estilo latino.

Tenho pois que, com os dados por mim recolhidos nos últimos meses, os motivos acima postos explicam – pelo menos em parte – a péssima qualidade do serviço de assistência técnica fornecido pela Interlog.

Eventualmente, é bem provável que alguns dos fundamentos possam ser também aplicados a outros importadores de material informático.

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18 comentários em “Ensaio sobre a má qualidade da assistência técnica da Apple em Portugal”

  1. Rui Says:

    Epá.. Não tenho palavras!! Parabéns pela tua forma de escrever e por nos dispinibilizares uma sintese do que se passa…. Muito obrigado e continua a postar! Pelo menos eu, estarei cá para ler… Abraço

  2. mac2 Says:

    Óptimo ensaio. Como sabes, esta é também a minha opinião.


  3. […] Ensaio sobre a má qualidade da assistência técnica da Apple em Portugal no Spinning Beachball. […]

  4. Dextro Says:

    Está simplesmente tudo dito…


  5. […] a não perder: Ensaio sobre a má qualidade da assistência técnica da Apple em Portugal […]

  6. carvalhinho Says:

    Muito boa leitura… como sempre muito bem estruturada e bem fundamentda… 🙂 vou linkar também!

  7. mac2 Says:

    Da próxima vez que mandares o Mac para a assistência em Portugal (que as deusas e deuses te protejam de tal fado), se a Interlog ainda estiver de serviço, a tua máquina volta mais coxinha do que foi. E com cabelos brancos… }:-)

  8. detig Says:

    Meus caros,

    Obrigado pelas palavras simpáticas e pelos links :).

    Rui,

    Mais que uma síntese sobre o que se passa, o meu post é uma opinião fundada em pedaços de informação que fui recolhendo directa ou indirectamente e que me permitiram construir esta teoria.

  9. shello Says:

    A ver se quando comprar o meu mac (:D) se a interlog já não é a “senhora da Apple” cá em Portugal.

    Post muito bom!

  10. Celso Says:

    Descrição perfeita da triste realidade. Well done.

  11. João Fernandes Says:

    Olá, eu estou na mesma situação devido a um ipod, o qual se avariou mais de 5 vezes, e estou agora com problemas em decreto lei por ti referido no artigo, visto não saber ao certo quantos meses estive sem o aparelho, (suponho cerca de uns 5). Já enviei correio registado com aviso de recepção e não obtive resposta.Na loja onde me o venderam, estão a tentar efectuar a reparação.

    A interlog chegou a enviar um ipod para troca(novo no saquinho plástico), com uma mossa enorme no canto esquerdo!O qual eu rejeitei na loja.

    Já tomei a decisão, e amanhã vou estar com o advogado e contactar com a Deco. A Interlog, já se fartou de gozar comigo.Estou a espera do aparelho desde de Dezembro! Só espero que nenhum dos meus portateis nunca se avarie.

  12. Alex Says:

    Depois de ler este artigo começo a ficar com medo de como possa vir o meu MacBook com apenas 4 meses 😐
    Deixei-o num apple center no dia 2 deste mes com um problema de imagem (a imagem deslocou-se para a direita e ficou toda instavel e cheia de cores esquesitas, ja alguem teve algo semelhante???) e disseram que a peça demorava 1 semana 1 semana e meia. Ligo para l

  13. Johndifo Says:

    Sim, mas se o jipe do sr eng avariar, tem que estar reparado na própria semana


  14. […] contrário que uma grande empresa obteria um tratamento personalizado por parte da Interlog. Atendendo aos sucessivos erros desta empresa, duvido dessa hipótese, mas a mesma existe. Ainda que numa grande empresa a inércia e […]

  15. Bruno Martins Says:

    Bom dia,

    Eu estou neste momento a atravessar um process de aquisição de um MacBook pelo Clix. Estou farto de contactar a Interlog através dos contactos facultados (telefone e e-mail) e nunca sou atendido nem os e-mails têm resposta. Achoi espantoso que no site do Clix coloquem um contacto telefonico par a acampanha Clix/Apple em que ninguém atende. Nós não podemos fazer nada, mas o Clix pode, até porque dá uma péssima imagem do Clix, não tendo a empresa culpa nenhuma, pois quem gere a campanha é a Interlog.

  16. hugo Says:

    Vão então à Netcetera, cotada como o melhor serviço de assistencia técnica pelas pessoas do applecare. tenho alguns colegas que também têm ficado satisfeitos com o serviço, apesar de não haver sitios perfeitos.
    Pelo que ouvi, em todos eles as peças são sempre encomendadas à fábrica da apple, não tendo em stock, o que demora cerca de 3 a 4 dias a chegar, pelo que me constou.


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